Caso Genivaldo: um ano depois, família clama por Justiça e policiais aguardam julgamento
“As pessoas têm que pensar mais no próximo, sentir a dor do outro”. Dessa forma, Maria Fabiana Santos, viúva de Genivaldo Santos, descreveu a perspectiva de vida que o companheiro fazia questão de externar para a família. Hoje, exatamente um ano após a morte dele, é o sentimento de dor que atravessa os entes e tantos outros que, próximos ou não, pensam em Genivaldo e se questionam sobre o desfecho da história.
No dia de 25 de maio de 2022, Genivaldo Santos, aos 38 anos, foi abordado por agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no município sergipano de Umbaúba por trafegar de moto sem capacete na BR-101. Durante a abordagem, Genivaldo foi trancado no porta-malas de uma viatura, forçado a inalar gás lacrimogêneo e morreu posteriormente. A certidão de óbito apontou asfixia e insuficiência respiratória como as causas da morte.
Os três policiais envolvidos na ação, Kleber Nascimento Freitas, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e William de Barros Noia, estão presos desde outubro do ano passado e devem ir a júri popular, que, no entanto, ainda não possui data marcada.
Nesse ínterim, para a viúva Maria Fabiana Santos, viver é experimentar a dor do vazio deixado pelo Genivaldo esposo e pai e antecipar a responsabilização dos envolvidos.
“Jamais dinheiro no mundo paga a presença dele aqui na nossa vida. São dias muito vazios, meu filho sente muita dor, eu sinto muita dor e toda a família também. A cada dia que passa vai ficando mais doloroso, fazendo mais falta. Meu filho fala dele todos os dias e a ansiedade vai transbordando, queremos de forma concreta que eles sejam condenados. Naquele dia o que fizeram foi uma monstruosidade tremenda”, disse a mulher.
Maria Fabiana lembra com detalhes do dia em que tudo aconteceu. Genivaldo, reconhecido por familiares e amigos pela personalidade tranquila, prestativa e atenciosa, havia ido na escola ver o filho, e ao retornar, pegou emprestada a moto da irmã. Foi a partir daí que o dia aparentemente normal virou uma memória dolorosa, hoje lembrada com um desejo por Justiça.
“A expectativa maior é que marquem logo esse júri, a gente anda contando as horas, os minutos e os segundos. É uma dor que a gente revive, todos os dias ela é cutucada, e isso faz com que a gente não consiga retomar a nossa vida. Eu sei que mesmo depois do julgamento, por conta dessa morte tão cruel, a gente nunca vai esquecer, nunca vamos esquecer dele, mas enquanto não ocorre esse júri a gente sente mais tristeza”, completou Maria Fabiana.
Os processos
De acordo com a advogada Priscila Mendes, que representa a viúva Maria Fabiana, sobre o caso de Genivaldo existe uma ação penal movida pelo Ministério Público Federal (MPF) referente aos crimes de tortura e homicídio qualificado, além de um processo indenizatório na esfera federal.
“O que está restando é a data da audiência de instrução no quesito indenizatório, onde as partes que farão jus à indenização são a viúva, o filho e mãe do senhor Genivaldo. Ladeado a esse processo, nós temos um processo criminal, na esfera federal também. O processo criminal está em uma fase em que a parte da defesa dos policiais se manifestaram com um recurso. Esse recurso sobe para os tribunais superiores e vai ser avaliado. Para o juiz marcar a data do júri o recurso terá que descer dos tribunais superiores, nós estamos aguardando e não tem um prazo específico para isso”, explicou a advogada.
Já na esfera estadual há um processo que trata do reconhecimento da união estável entre Genivaldo Santos e Maria Fabiana, após contestação por parte da União.
“Nós estamos aguardando a sentença, pois já apresentamos as alegações finais. A decisão desse processo que está na comarca de Umbaúba vai ser muito importante para os outros dois processos federais. Ele vai legitimar qualquer dúvida quanto à viúva para o processo indenizatório, e também há um ponto para o criminal, tendo em vista que a própria defesa dos policiais, no início do processo criminal, contestou a legitimidade da assistência de acusação”, disse ainda Priscila Mendes.
Desdobramentos
Nesta quinta-feira, 25, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) realiza uma coletiva de Imprensa para apresentar os resultados do Projeto Estratégico Bodycams, que trata do conjunto de estudos do órgão, sob orientação do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), para implementar o uso de câmeras corporais nos uniformes dos policiais. O grupo de trabalho, criado em março deste ano e conduzido pela Coordenação Geral de Gestão Estratégica, conta com 16 PRFs, além de especialistas de outras instituições.
A realização do estudo acolhe recomendação do Ministério Público Federal (MPF) para a adoção de câmeras corporais para policiais que atuam em policiamento ostensivo, patrulhamento rodoviário e cumprimento de medidas judiciais.
Sobre a temática, o especialista em Segurança Pública, Leonardo Sant’Anna, também coronel aposentado da Polícia Militar do Distrito Federal, afirma que o uso de câmeras nos uniformes tem resultados passíveis de observação em diversos estudos, ou seja, o uso não é apenas corroborado por uma percepção social ou comentários.
“Academicamente, já existe uma comprovação, que não envolve apenas o aspecto policial, mas também a pessoa que é abordada pelo profissional de segurança. Nesse estudo, se comprova que tanto aquela pessoa reduz a agressividade, dependendo do caso, se comporta de maneira diferente em relação ao profissional de segurança, e da mesma forma, esse profissional também tende a adotar um comportamento conforme as normas com o uso de câmeras”, explica.
O uso de câmeras nos uniformes dos agentes entra dentro de uma discussão mais ampla sobre as mortes decorrentes de intervenção policial do país, ou em suma, a letalidade policial, como também a proteção dos agentes. De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, Sergipe é o 2º estado do Brasil com a maior letalidade policial, com 9 a cada 100 mil habitantes mortos durante intervenções policiais.
Ainda segundo o especialista, um caminho para atenuar a problemática é fazer a intersecção entre um maior investimento na Segurança Pública com políticas públicas que eduquem a população em torno do que pode ser feito.
“O nível de investimento do estado, do governo e dos gestores públicos nas instituições de Segurança Pública, no processo de reeducação, formação, capacitação e treinamento têm grande impacto nisso. Quanto menor é o investimento para a compra de equipamentos para esses profissionais de segurança, e quando nós temos uma população que não se preocupa até que ponto vai essa capacitação, todos esses casos juntos indicam um aumento da letalidade policial”, completou.
Abordagem aos direitos humanos
Uma questão central mencionada pelo especialista é o investimento na formação dos profissionais. Neste quesito, após a repercussão do caso Genivaldo no ano passado, veio a público que a disciplina de Direitos Humanos e Integridade – DHI, que fazia parte do curso de formação de agentes da PRF, teve a carga horária suprimida.
Com a mudança, a abordagem de direitos humanos na formação dos policiais passou a fazer parte de uma oficina transdisciplinar chamada Práticas Orientadas para o Trabalho e a ser trabalhada de forma conjunta pelas outras disciplinas.
Questionada pelo Portal Fan F1 sobre a forma como o conteúdo sobre direitos humanos está inserido na formação de agentes atualmente, a PRF expôs que o tema se tornou central na nova gestão. Uma das medidas para implementar, coordenar e difundir as políticas relativas à temática seria a criação de uma Coordenação-Geral de Direitos Humanos em Brasília.
Ainda de acordo com o órgão, foi realizado um workshop com os instrutores de direitos humanos para o alinhamento central da temática e, posteriormente, a adição de uma disciplina e formação de novos instrutores de direitos humanos.
“A PRF também está revendo o próprio curso de formação e incluiu novamente direitos humanos como disciplina isolada. Antes a mesma era integrada com a disciplina de integridade e relações humanas. Está em preparação, para adição em nosso portfólio, cursos de direitos humanos especificamente em letramento racial e também enfrentamento aos crimes de direitos humanos e gestão de direitos humanos”, foi exposto pelo órgão.
Para o especialista Leonardo Sant’Anna, a formação balizada por uma disciplina voltada aos direitos humanos é fundamental para valorizar no agente uma prestação de serviço baseada em seu papel como agente do estado, e capacitado para isso, em detrimento a valores individuais.
“Essa disciplina tem como fundamentos a questão como a sociedade é construída, principalmente na porção que têm menores recursos econômicos. É uma disciplina que envolve um entendimento sociológico da comunidade onde se presta serviço. Isso faz com que o agente de Segurança Pública tenha um olhar diferenciado, faz com que ele perceba, tenha um entendimento sobre a pessoa que vai receber aquele serviço. Empregar, mesmo que com o uso da força, o serviço para a população, se você tem o conhecimento de práticas sobre os direitos humanos, a sua entrega vai ser mais voltada para o seu serviço do que para uma percepção pessoal”, finalizou.
Fonte: FAN 1